domingo, 4 de agosto de 2013

"Home, sweet home!..." ou a aproximação...

Três semanas depois de ter partido de Dili para acompanhar os deputados da Comissão de "Economia e Desenvolvimento" com quem trabalho no Parlamento Nacional de Timor Leste no seu périplo por 3 países da Ásia Oriental, eis-me de regresso a "casa" --- mesmo que isto signifique, no caso vertente, Dili/Timor Leste!
Foram 3 semanas intensas, cansativas, em que passámos a maior parte dos dias a saltar de reunião para reunião com entidades relevantes dos respectivos países ou a visitar alguns projectos que têm algum interesse para o país.

Depois de umas 4-5 semanas de total envolvimento na preparação da visita, saí de Dili com alguns receios de que a coisa não decorresse tão tem como o desejado mas a verdade é que acho que o saldo global é MUITO positivo. O essencial é o conjunto de lições que os deputados poderão retirar e como as transformar em trabalho parlamentar útil.

Claro que tinham de aparecer vozes de alguns maldicentes (os do costume...) dizendo que foram três semanas de passeio por conta do erário público. Nada mais falso.
Claro que nestas ocasiões em que se está de visita ao estrangeiro não dominamos todos os dados do processo e por isso terá havido, aqui ou ali, um ou outro tmomento mais "morto". Mas isso dependeu mais dos nossos anfitriões do que da organização da viagem.

Os coreanos, nomedameente, são uns "chatos" organizacionais, tudo querendo saber antecipadamente, nomeadamente que perguntas iríamos fazer.
Lá lhes fomos respondendo e as coisas compuseram-se. Até porque me encarreguei de avisar os deputados de que "em Roma sê romano" e por isso teríamos que "cantar pela batuta deles".
Nomeadamente é preciso compreender que na Ásia Oriental, particularmente na China e na Coreia, é essencial não se deixar o nosso interlocutor ficar mal por não saber uma resposta qualquer... O conceito de "face" aqui é essencial: ninguém pode perder a face... E não é tanto em relação aos visitantes --- estes chegam e vão-se emboa... --- mas sim em relação aos outros nacionais que se virem um falhanço de um seu colega ficam " 'p' da vida"...

Felizmente decorreu tudo bem. Tivemos conversas interessantíssimas com várias instituições e visitámos projectos giríssimos --- um ou outro facilmente replicável em Timor Leste se para tal houver o engenho e a arte...
Pontos altos? Depende do observador. Eu poria em lugares cimeiros a visita ao instituto coreano que foi a "alma" da política económica de desenvolvimento do país, a visita (na Tailândia) a uma fábrica "integrada" de tratamento de arroz --- em que nada se perde, tudo se transforma e no final os resíduos não utilizados são... zero! ---, o encontro, também na Tailândia, com os cerca de 80 estudantes timorenses a estudar no país e a visita a Batam e a um parque industrial na ilha que, apesar de indonésia, está economicamente profundamente integrada com Singapura, sendo o verdadeiro "parque industrial" desta.



Enfim: valeu (muito) a pena mas o verdadeiro trabalho começa agora: o retirar de lições e propor actuações ao governo que ajudem a melhorar o nível de desenvolvimento deste país. Aí é que a porca torce(-rá) o rabo...

domingo, 16 de junho de 2013

Choramingas!... Não tens vergonha?!... Não!

Vocês sabem que me emociono facilmente com as coisas mais simples, quase ridículas. Há dias, no "10 de Junho" na nossa embaixada em Dili, quis cantar "A Portuguesa" e não consegui... Estar a quase 20 mil kms de casa não é fácil... Eu bem queria mas a garganta não deixou... E fiz beicinho, sim!... O mesmo aconteceu quando, numa reunião (em Dili) em que estiveram presentes a actual presidente e o antigo presidente da câmara de Grandola, Xanana pediu que cantassem o "Grandola, vila morena!...".

Vem isto a propósito de mais uma situação em que não me aguentei... E zás!... Olhos a choverem...

Foi assim...

Há cerca de 3 semanas fui a Pante Makasar, a capital do enclave (timorense no Timor Ocidental, indonésio) de Oecussi-Ambeno, e fiquei alojado na casa das madres dominicanas que ali existe.
Conversa puxa conversa com a madre superiora (é uma pequeníssima comunidade de 5 religiosas!...), cheguei à conclusão que vivem lá 65 meninas timorenses, 80% delas oriundas das zonas rurais do distrito e que vieram para a cidade para poderem estudar.




O único apoio que recebem do Estado timorense são 32 sacas de arroz em cada trimestre. Como gastam uma saca (de 30 kgs) por dia, têm, desta origem, comida para 1 dos 3 meses do trimestre. E os outros 2 meses? Vivem de donativos...

Na hora de fazer as contas ao alojamento acabei por deixar lá mais 120 dólares, o suficiente para quase uma semana de alimentação...

Entretanto e em resultado de mais uma "estória" marginal a esta, uma professora portuguesa ali alojada ficou a dever-me 270 dólares e combinei com ela que depois depositaria 200 na minha conta e daria 70 à madre para fazer uma refeição "de jeito", com carne (bifes ou frango, coisa que nunca lhes "passa pelo estreito"...). Ela assim fez.

Quis o destino que na semana que agora termina eu tivesse voltado a Pante Makasar e reencontrasse a madre.
Novamente "palavra puxa palavra" percebi que ela informa as crianças de todo o dinheiro em donativos que entra e que as dificuldades na alimentação continuavam, cada vez mais agravadas...

De facto, no dia em que cheguei a madre encarregue da gestão da alimentação respondeu-me, perguntada sobre o que tinham para o jantar, que tinham apenas "sossoro", uma papa feita com arroz e água... Perguntei-lhe quanto precisava para acompanhar com uns vegetais e disse-me que seriam uns 10 dólares. "Então tome lá 20 e vá comprar uma quantidade substancial de verduras para as crianças comerem". Os olhos brilharam e lá foi ao mercado mesmo em frente do portão. Passados 15 min passou por mim com 3 sacos a rebentar pelas costuras cheios de verduras...

No dia seguinte, dia do regresso a Dili, como não tinha nada de especial a fazer fui até à pequena cafetaria que as madres abriram para ajudar a fazer algum dinheiro.
Eis senão quando começaram a sair as garotas para a escola e quando passavam por mim iam dizendo: "Obrigado Sr. António!...". Surpreendido, percebi que a madre tinha feito das suas: "denunciou-me" como o doador das verduras que comeram no jantar da véspera... :)

A coisa passou e mais tarde apareceu a madre superiora, acabada de chegar de Dili no navio que eu tomaria a meio da tarde para regressar à capital de Timor Leste, o "Berlin Nakroma".


Estivemos na conversa e ela falou-me de quanto as crianças tinham apreciado o jantar de carne que eu tinha proporcionado alguns dias antes... Sensibilizado, acabei por dar mais 70 dólares para repetirem o "festim"... :-)

Ela convidou-me para almoçar com as religiosas e na passagem para a sala de jantar passámos pelo refeitório onde almoçavam as crianças. E foi aí que a "desgraça" aconteceu!...

Apesar de eu ter tentado tapar-lhe a boca para não dizer nada, ela disse às meninas que eu tinha cabado de dar mais dinheiro para uma refeição "de jeito"... "Obrigado sr António!..." disseram em coro...
Mas a malandra (!) da madre achou que era pouco e pediu-lhes para me cantarem uma canção: nem mais nem menos que a "Do Re Mi" da "Música no Coração"! (ouvir aqui: http://www.youtube.com/watch?v=xIjobdArtiA )

E zás! 65 crianças desataram a cantar afinadíssimas, "geridas" pela madre feita maestrina com gestos pequeninos dos dedos, quase imperceptíveis...



Não aguentei... A meio da música já eu estava a fazer beicinho e pouco depois as lágrimas escorriam, emocionado. 65 crianças, cada uma com a sua história --- e que histórias!... Ali estavam algumas que tinham sido abandonadas pelos pais, outras que fugiram de casa para não serem vendidas pelos pais a troco de um ou 2 búfalos que lhes matasse a fome, outras fugidas de um casamento precoce, aos 14 anos, para os pais receberem o "barlaque" e assim minorar as suas carências... --- estavam cantando para mim num coro afinado. Não há como aguentar!... E zás!...

No final apenas tive forças para lhe dizer "Muito obrigado!", "Estudem, estudem muito para melhorarem as vossas vidas!...". E lá fomos ao almoço...

Como vou poder ajudar mais estas crianças? Não sei! Mas desconfio que vocês me vão ajudar... Rsss

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

É Natal!.. É Natal!...

Dia de Natal! E dei comigo a recordar os Natais da minha meninice.
O meu pai fazia anos na véspera de Natal e isso acabava por ser mais uma razão para a família mais chegada (a de casa e a da minha tia e sua prole de 6 filhas/primas...) se juntar na noite de Natal em minha casa para a ceia.
Parece que estou a ver-nos a brincar um pouco por todo o lado e a sala de estar, com seus "maples" de madeira de braços curvos pintados de amarelo (numa época) ou de verde claro (noutra). E a ida à missa do galo! E o acordar no dia de Natal e a corrida à chaminé (sim! a casa tinha uma chaminé de serventia ao fogão a lenha!) para ver o que o Pai Natal tinha deixado durante a noite nos sapatos todos alinhados e impecavelmente engraxados por cada um de nós.
Saudades, pais! Beijos, wherever you are!... (vão-se embora, lágrimas!...)

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Menino e moço...

Há cerca de um mês foi publicado um livro muito interessante sobre um dos bairros mais típicos de Setúbal, o "bairro Santos Nicolau", que tomou o nome do proprietário dos terrenos onde foi implantado há cerca de 100 anos.

O "Bairro Santos Nicolau" no Google Earth. o Bairro é a zona
abaixo da Rua Morgado de Setúbal
(a segunda rua quase horizontal a contar do topo da imagem),
que o delimita do "Bairro da Conceição"

Como morei mais de 20 anos no bairro vizinho, o de NªSrª da Conceição ou simplesmente o "Bairro da Conceição" (um bairro de rendas económicas inaugurado em 1949), a zona é-me familiar e não hesitei em comprar o livro para reviver alguns dos momentos da minha meninice e adolescência.
A geografia social da zona era simples: no "bairro Santos Nicolau" moravam os pescadores e outros profissionais da "classe baixa" e no "Bairro da Conceição" morava uma "classe média" em nascimento, de funcionários públicos ou de serviços, "de luva branca" e mãos limpas, e de pequenos empresários.

Ontem, mais chateado que um peru em véspera de Natal, resolvi fazer o que já me tinha proposto fazer desde que comprei o livro: folheando-o, ir de carro percorrendo as ruas do bairro e tirar algumas fotos para comparação do ontem e do hoje já que no livro há várias fotos antigas.

A capa do livro é a que se vê abaixo e reproduz uma cena que consta da minha memória: duas crianças, filhas de pescadores (a maior parte dos habitantes originais do bairro eram pescadores vindos da zona da Ria de Aveiro cujas mulheres trabalhavam nas fábricas de peixe de Setúbal, na zona das Fontaínhas, ali ao lado), estão sentadas nas "escarpas de Santos Nicolau" olhando a doca de pesca e o Sado.

 
Percebe-se que são filhos de pescadores pelo padrão das camisas, aos quadrados tal como as dos seus pais e que ainda hoje são "imagem de marca" das gentes ligadas ao mar na minha terra. Quantas e quantas vezes eu próprio me sentei ali a ver o mar e o movimento da doca de pesca. "A minha alma cheira a choco" desde então e daí o apelo que o mar sempre fez sobre mim. Tanto mar...
Ontem tentei captar exactamente a mesma paisagem da capa do livro. O resultado pode ser visto abaixo e com pequenas alterações corresponde à imagem do livro.
 
 
Note-se que na foto da capa a fumarada que se vê na Arrábida, junto ao mar, era originada pela fábrica antiga da SECIL enquanto que nesta ela é produzida pela fábrica nova desta empresa de cimentos, contruída um pouco mais para o interior da serra e não à beira mar como a antiga.
 
E o passeio continuou comigo buscando o local onde funcionou a "escola da menina Adelaide". A "menina Adelaide" era uma mulher alta, perfeita, quase bonita, alourada, mulher de pescador e era visita assídua da casa dos meus pais, ambs professores, sendo que a minha mãe era a "professora oficial" de muitas das garotas que de tarde iam para a "escola da menina Adelaide" fazer os trabalhos de casa e, no fundo, receber "explicações". Se a memória não me falha tratava-se de um salão (nome um pouco pomposo para a construção em causa...) meio abarracado em que caberiam, em bancos corridos, uns 30-40 alunos que ali passavam algumas horas.
No bairro havia outras "escolas" do mesmo género, numa demonstração curiosa da importância que naqueles tempos --- ora deixa cá ver, António... Huuummm!... Há uns 55 anos, mais coisa menos coisa... --- os pais-pescadores punham na educação dos filhos, ambicionando para eles uma vida menos dura do que a que eles tinham, eventualmente o acesso à "escola comercial e industrial" para terem uma formação mais qualficada que os levasse a trabalhar em profissões melhor remuneradas nas fábricas de conservas de peixe (ou outras) em que as mulheres trabalhavam.
 
Claro que a "escola da menina Adelaide" --- boas pescadas "arrepiadas", que a minha máe dependurava do contador da água, na cozinha, comi eu à conta da amizade dela com os meus pais... --- já não funciona há muito e a própria casa (pelo menos a fachada) está algo remodelada e bem conservada.
 
 
 
E a volta continuou. Inesperadamente dei com o único sobrevivente de alguns moinhos que existiam na zona. O que fotografei é, salvo erro, o que na foto antiga surge mais à direita.
 

 
 
Não quis deixar o bairro sem revisitar dois outros locais onde ia muitas vezes por aí se situarem as principais mercearias que serviam os dois bairros contíguos e na "fronteira" entre ambos: a do "sr. Izidro" e a do "sr. Américo".
A primeira deu há muito lugar ao "Izidro dos Frangos" e ao Hotel Izidro, ambos da famíla do antigo merceeiro. Perto da porta da mercearia, que tinha taberna ao lado --- parece que estou a ver as pipas e as salgadeiras com as caras de bacalhau e o grão demolhado... ---, estava a porta do barbeiro do bairro onde fui muitas vezes e junto desta sentava-se, todos os dias, uma das figuras típicas do bairro: a "Ti Ch'nela".
Era uma mulher sempre vestida de preto --- as mortes, na época, eram frequentes e uma vez viúva o luto era para o resto da vida... --- que, sentada no chão, vendia amendoins, castanhas assadas, tremoços, pevides e outros "acepipes" semelhantes. Claro que era uma das "bancas" mais frequentadas do bairro...
 
A mercearia do sr. Américo, muito mais pequena e menos frequantada que a do Izidro, tinha a vantagem de ser paredes-meias com o antigo mercado/praça local. Eu era frequentador assíduo da mercearia onde os meus pais compravam e pagavam no final do mês, ficando tudo assente no "rol", um livro estreito e alto, talvez um pouco mais alto que uma folha A4.
 
A mercearia do Sr. Américo era na porta da direita
e o mercado ficava no terreno à direita do prédio
 
Com o Sr. Américo se passou uma das cenas "épicas" da minha meninice... Coleccionar dos "cromos da bola" (1 tostão cada rebuçado com um cromo, lembram-se?), um dia, teria eu uns 6-7 anos, apanhei a jeito o meu mealheiro de barro e com uma faca consegui sacar lá de dentro uma moeda de 10 escudos, daquelas de prata com a caravela. Com ela fui à corrida à mercearia e comprei quantos rebuçados com cromos podia!... Uma batelada!
Não me lembro como o meu pai deu com a patifaria e além de eu ter levado o correspondente "correctivo" --- não sei se me entendem :-) --- meteu pernas a caminho e foi pregar uma "descasca" no sr. Américo, que ficou com vontade de se esconder atrás dos seus óculos... "Ó Sr. Américo! Então você vê o gaiato com uma moeda de 10 escudos  [uma pequena fortuna na época...] e não desconfia que foram obtidos de forma mais ou menos ilícita?!... Você não devia ter vendido aquela quantidade de cromos ao meu filho!...". E lá voltei eu para casa com o rabo entre as pernas...




segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Agora são 21...

21 anos! Completados hoje! Há cerca de 2 horas... O quê? No sábado foi a Licenciatura, hoje foi o Doutoramento em Economia pela Universidade Técnica de Lisboa através do ISEG. De facto, foi na tarde da terça feira 17 de Dezembro de 1991 que fiz a defesa da tese de Doutoramento, tese essa que versa sobre a política agrária do Moçambique independente, entre 1975 e 1985. Era então a única tese de Economia escrita por um português sobre o período pós-colonial de um dos novos países africanos de língua oficial portuguesa. Creio, aliás, que continua a ser, nesta área, uma das poucas sobre o pós-independência das nossas ex-colónias.

O curioso é que não era esse o meu tema inicial. Quando se colocou a questão de fazer o doutoramento escolhi o estudo da evolução da China antes das reformas que se sucederam à morte de Mao Tse Tung e que tiveram lugar a partir de 1978.
Para meu orientador convidei a "alma mater" do ISEG e então meu colega de gabinete, o Prof. Francisco Pereira de Moura. O diálogo que então se estabeleceu ficou para sempre na minha memória...

De facto, o Prof. agradeceu o convite mas declinou-o de imediato com dois argumentos perfeitamente razoáveis: não era especialista em desenvolvimento e não era especialista na China. Não tinha, pois e segundo ele, as qualificações necessárias para ser meu orientador.
De qualquer forma foi adiantando conversa com uma pergunta que fez mudar a minha vida... :-). Quando lhe disse que queria fazer a tese sobre a China perguntou-me (adiantando logo um comentário...): "Sobre a China?!... Huuummm! Isso significa que vai primeiro estudar chinês, não vai?!...". Fiquei siderado... Nunca tal coisa me tinha passado pela cabeça... E foi então, enquanto eu "encaixava" o "murro no estômago" que tinha acabado de receber, que veio o comentário dele e que define bem a seriedade do trabalho intelectual que fazia: "Sim... Porque se não estudar e souber ler os documentos em chinês você vai fazer uma tese sobre aquilo que os americanos, os ingleses, os franceses e outros que publiquem em inglês ou francês dizem sobre a China e não necessariamente uma tese sobre a China!..."
Como calculam, nesta altura já eu estava todo esticadinho no tapete... :-)

Mas o Prof. não dava "ponto sem nó"... E foi então que surgiu a sua proposta/desafio que me fez alterar o projecto de tese e, em parte, a minha vida (académica) futura: "Se está interessado em estudar questões de desenvolvimento em países 'socialistas' porque não pega no caso de Moçambique e tenta, nomeadamente, fazer alguma comparação entre as "aldeias comunais" de Moçambique com as aldeias "ujamaa" da Tanzânia e as "comunas" da China Popular?!..."

E se bem [ele] o disse, melhor [eu] o fiz.... Alterei o projecto de tese e dediquei-me a estudar Moçambique e a Tanzânia.
Quanto a esta cheguei a ser o grande especialista português sobre o desenvolvimento do país... Rsss. "Grande" porque único...  :-)

Obtida uma bolsa de investigação da Fundação Gulbenkian, lá fui eu a caminho de África, onde nunca tinha estado e a que nada me ligava, para uma estada de 3 meses em cada um dos países a fim de recolher material para a tese já quem Portugal não havia nada. O que tinha obtido até então sobre a Tanzânia tinha sido conseguido numa permanência no Institute of Development Studies (IDS) de Brighton, na Inglaterra, ainda hoje uma das principais escolas de referência nos estudos de desenvolvimento.

Chegado a Maputo comecei a minha actividade de investigador como investigador associado do Centro de Estudos Africanos (CEA) da Universidade Eduardo Mondlane. O presidente era o saudoso Aquino de Bragança --- quantas e quantas horas passámos à conversa sobre o país andando de um lado para o outro no seu Volkswagen Brasília amarelo... --- mas a directora de investigação era a Ruth First, que era "apenas" a mulher do Joe Slovo, o secretário geral do partido comunista sul africano, então em plena luta contra o apartheid.
Para ela eu tinha dois defeitos fundamentais: era português (logo, "colonialista") e não tinha o cartão de militante do PC português... Resultado: limitou o meu acesso a muitos documentos importantes da biblioteca do CEA. Ainda bem... :-) Foi assim que fui à procura de muita outra informação, muita dela primária, e não de interpretações da realidade feitas por outros... que ainda por cima tinham, pensava então e penso ainda hoje, uma visão distorcida da realidade moçambicana.

E foi assim que iniciei a recolha de material para a minha tese. Até hoje é sempre com um enorme prazer que volto ao país.

Quanto à Tanzânia, passado pouco tempo de estar em Moçambique e dado o manancial de informação que recolhi e as dificuldades em obter autorização para fazer investigação "de campo" na Tanzânia, acabei por desistir de a incluir na minha tese. Mas como o bilhete que eu levava de Lisboa incluia a viagem por Dar-es-Salaam, acabei por estar nesta cidade uma semana.

domingo, 16 de dezembro de 2012

40 anos?!... Credo!... :-)

40 anos! Completados hoje! O lançamento em pauta da minha nota da última disciplina feita no curso de Economia no ISEG entre 1967 e 1972 tem a data de 15 de Dezembro de 1972, uma sexta-feira. Mas eu sabia a nota desde a segunda-feira anterior, dia 11. A última "cadeira" a completar foi "História das Doutrinas Económicas e Sociais" e o docente era o Dr. José António [de Freitas ?] Mariguesa, que mais tarde integrou os quadros da Comissão Europeia, em Bruxelas.
Foi o meu amigo e então colega na residência de estudantes em que eu vivi os 5 anos do curso, na Rua das Praças, na zona da Lapa, Joaquim Pinto Coelho que me telefonou à noite (de 11DEZ72) para me dizer a nota do meu último exame (14? 15?).
A minha reacção quando recebi a notícia foi dizer para os meus pais, que estavam perto de mim, "estou licenciado!"... Parco de palavras e ainda mais de elogios, o meu pai abraçou-me e disse-me apenas "Parabéns!". Creio que foi a primeira vez que, sem ser pelos aniversários, me disse tal coisa... :-).


Mas este "ponto final" --- que foi, naturalmente, o início para a minha carreira profissional (na verdade eu já a tinha "começado" no 4º ano curricular ao ser contratado como um dos primeiros "monitores" do ISEG, pela mão da saudosa e cedo desaparecida Drª Aurora Murteira) --- teve um "ponto inicial" uns oito anos antes, quando, "menino e moço" de uns 16 anos mal acabados de fazer, tive de optar, no final do antigo 5º ano do Liceu, pela "alínea" a seguir no terceiro ciclo.
Até determinado dia, 3-4 dias antes da inscrição efectiva, estava claro na minha mente que iria ser advogado e seguir a então "alínea h)". Tinha o inconveniente de ter de aprender alemão e latim mas a vantagem de me livrar da matemática, matéria com a qual tinha a mesma empatia que muuuuuuitos dos leitores... Pouca... :-)

A maior parte dos meus colegas de há 40 anos...

E aí apareceu o meu pai a baralhar-me as ideias e as convicções...
Alguns dias antes tinha estado no "parlapié" com um amigo dele e pai de um colega meu e que era, tanto quanto era do meu conhecimento então, um dos poucos economistas que viviam em Setúbal. Para mim isso "era igual ao litro" pois não fazia ideia do que era um economista e do que faziam. Nem sabia o que o pai do meu colega fazia...
A conversa do pai do meu amigo era de que fazia muito gosto em que o filho fosse para Eonomia, como ele, mas que ele queria ir, como foi, para Direito.
A argumentação do meu pai foi mais ou menos esta: "vê lá, filho, no que te vais meter. Achas que tens cabeça e paciência para "empinares" tantas leis?!...". E a conclusão veio logo a seguir: "E se fosses para Economia?!...". Fiquei admirado com a "proposta" até porque, como disse, não fazia a mínima ideia do que eram as funções profissionais de um economista. Nem me preocupei na altura em saber se seria uma profissão "rentável". A minha única preocupação foi saber quais as disciplinas que teria de frequentar no terceiro ciclo: além de outras (nomeadamente e por exemplo, continuar com o estudo do Inglês em vez de iniciar o de alemão) teria de estudar "História" e "Geografia" --- que eu adorava (e ainda adoro...) --- e... Matemática. Isto é: "mudar de agulha" implicava manter essa dor de cabeça permanente que era a Matemática mas tinha a vantagem de me ver livre da obrigatoriedade de estudar alemão e latim.

Ó pra eu todo boneco com uma salenda timorense ao pescoço!...
(Foto do António Reis)

No fundo acabaram por ser as disciplinas que teria no 3º ciclo e não o conteúdo profissional da actividade de economista que falaram mais alto e foram decisivas para a minha escolha: entre ver-me livre da obrigatoriedade de estudar alemão e a de manter o estudo da Matemática não hesitei muito...

E assim cheguei ao então ISCEF, onde tive a primeira aula no dia 26 de Outubro de 1967, uma quinta-feira, para sair (?) de lá 5 anos depois, quando as licenciaturas eram de 5 anos e não de 3 como actualmente.

Já agora, um "fait divers" (?) que nos afectou a todos e que justificou que, cotrariamente ao usual, o curso, para muitos, tivesse termeninado em Dezembro e não, como seria normal em Junho-Julho, no final do ano lectivo. É que nesse ano se deu uma crise académica que afectou a Universidade em Lisboa e a polícia de choque einvadiu o Instituto. Lembro-me de uma tarde de Maio ter chegado cerca das 16h20m para ter uma aula e quando entrei na porta principal do ISEG, na rua do Quelhas, 6, dei com alguns colegas meus a fugir, sendo que 2-3 tinham a cara ensanguentada... Vim a saber logo a seguir que a "polícia de choque" tinha invadido o ISEG e que se tinha verificado um pandemónio. Na sequência desse acto e da luta que se seguiu, o Instituto esteve fechado alguns meses, "atirando" com os exames para Dezembro de 1972.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Ainda a questão da dívida (externa ou eterna?) da Grécia e de Portugal

Leitora atenta dos "Botões" enviou-me o seguinte comentário à minha "entrada" sobre a questão da diferença de tratamentos entre Portugal e a Grécia, com termos mais favoráveis para esta:

"Mas a Grécia tem melhores condições...não é caso para dizer q o "crime" compensa?Ou seja, vivamos à grande e à francesa...que depois a dívida é perdoada e/ou temos condições mais favoráveis para a pagar."

É difícil não reconhecer alguma razão no argumento da autora: parece que o "crime" [da Grécia] compensou: um sistema fiscal de pantanas, que cobra apenas uma parte do que devia cobrar, fugas significativas de capitais, benefícios para muitos cidadãos superiores à média europeia e que são um custo significativo para o Estado... e este a endividar-se no exterior (juntos dos bancos alemães e não só) para "aguentar o barco". E isto não apenas desde que a situação económica internacional se agudizou em 2007 mas desde muito antes (ver o gráfico da entrada abaixo) já que desde 1990 que a percentagem da dívida pública líquida em relação ao PIB ultrapassa os 60%.

Isto é: havia, todos o reconhecem, algum "regabofe" só possível porque a banca internacional (alemã mas não só...) iam pagando a fatura --- e cobrando os respectivos juros, claro... Mas como o país ia pagando --- mesmo que fosse dívida antiga com dívida nova... --- todos viviam felizes e contentes. Até que... booooooom!

A questão do "moral hazard" subjacente a esta situação não é nova e corresponde, grosso modo, a uma situação em que alguém (por exemplo os bancos) assume mais riscos do que aqueles que deveria assumir porque conta que, se alguma coisa correr mal, alguém há-de suportar parte dos custos resultantes da "asneira" que fez anteriormente.
Este tema esteve muito "na baila" aquando da crise asiática de 1997-98 porque se entendeu que os bancos assumiram mais riscos do que deviam ter assumido ao conceder determinados empréstimos porque acreditavam que o Governo/Banco Central do respectivo país acabaria por lhes acudir se houvesse risco de falência pois o país não podia correr o risco de uma corrida aos bancos se um deles falhasse.
Pode-se dizer que a opção do Governo português acudir ao BPN e ao BPP pode ser interpretada à luz deste conceito do "moral hazard": o risco de uma crise em todo o sistema financeiro era impensável e mais valia (valeu?!...) cobrir os prejuízos dos bancos falidos...

Voltando à questão colocada pela leitora: sendo objectivamente verdade que a Grécia tem um tratamento melhor que o de Portugal (e da Irlanda), o custo do ajustamento para os gregos vai (está a) ser muito maior do que para nós, como resulta de muitos relatos sobre a situação no país. O risco de não perdoar parte da dívida era de ela se tornar incomportável e a "maçã podre" grega acabar por se alastrar a toda a União Europeia e levar à falência do Euro.
Qual o custo disso para toda a Europa, nomeadamente para nós próprios, em Portugal? Parece que ninguém quis "pagar para ver"... Eu tenho muitas dúvidas se pagaria... Mas tenho MESMO... Infelizmente nestas coisas não dá para dar uma espreitadelazinha para ver como é e depois, eventualmente, "tirar o corpo fora" se a coisa não agradar...

Quanto à questão do perdão de parte da dívida, pode-se dizer que ela, em si mesma, corresponde à assunção de uma consequência de os bancos que emprestaram terem de pagar uma parte do custo do ajustamento do devedor porque, com "mais olhos que barriga", foram emprestando, emprestando, sem prestarem grande atenção ao enorme risco que estavam a correr ao emprestarem a um país que já tinha níveis elevadíssimos de dívida externa.
O perdão da dívida corresponde, pois, a uma situação de uma certa divisão dos custos entre credor e devedor --- quando na maioria dos casos os bancos estão (mal) habituados a serem a parte mais forte e repercutirem apenas para o devedor os custos do excesso de endividamento em que incorreram.

Enfim... é a vida!...