domingo, 4 de agosto de 2013

"Home, sweet home!..." ou a aproximação...

Três semanas depois de ter partido de Dili para acompanhar os deputados da Comissão de "Economia e Desenvolvimento" com quem trabalho no Parlamento Nacional de Timor Leste no seu périplo por 3 países da Ásia Oriental, eis-me de regresso a "casa" --- mesmo que isto signifique, no caso vertente, Dili/Timor Leste!
Foram 3 semanas intensas, cansativas, em que passámos a maior parte dos dias a saltar de reunião para reunião com entidades relevantes dos respectivos países ou a visitar alguns projectos que têm algum interesse para o país.

Depois de umas 4-5 semanas de total envolvimento na preparação da visita, saí de Dili com alguns receios de que a coisa não decorresse tão tem como o desejado mas a verdade é que acho que o saldo global é MUITO positivo. O essencial é o conjunto de lições que os deputados poderão retirar e como as transformar em trabalho parlamentar útil.

Claro que tinham de aparecer vozes de alguns maldicentes (os do costume...) dizendo que foram três semanas de passeio por conta do erário público. Nada mais falso.
Claro que nestas ocasiões em que se está de visita ao estrangeiro não dominamos todos os dados do processo e por isso terá havido, aqui ou ali, um ou outro tmomento mais "morto". Mas isso dependeu mais dos nossos anfitriões do que da organização da viagem.

Os coreanos, nomedameente, são uns "chatos" organizacionais, tudo querendo saber antecipadamente, nomeadamente que perguntas iríamos fazer.
Lá lhes fomos respondendo e as coisas compuseram-se. Até porque me encarreguei de avisar os deputados de que "em Roma sê romano" e por isso teríamos que "cantar pela batuta deles".
Nomeadamente é preciso compreender que na Ásia Oriental, particularmente na China e na Coreia, é essencial não se deixar o nosso interlocutor ficar mal por não saber uma resposta qualquer... O conceito de "face" aqui é essencial: ninguém pode perder a face... E não é tanto em relação aos visitantes --- estes chegam e vão-se emboa... --- mas sim em relação aos outros nacionais que se virem um falhanço de um seu colega ficam " 'p' da vida"...

Felizmente decorreu tudo bem. Tivemos conversas interessantíssimas com várias instituições e visitámos projectos giríssimos --- um ou outro facilmente replicável em Timor Leste se para tal houver o engenho e a arte...
Pontos altos? Depende do observador. Eu poria em lugares cimeiros a visita ao instituto coreano que foi a "alma" da política económica de desenvolvimento do país, a visita (na Tailândia) a uma fábrica "integrada" de tratamento de arroz --- em que nada se perde, tudo se transforma e no final os resíduos não utilizados são... zero! ---, o encontro, também na Tailândia, com os cerca de 80 estudantes timorenses a estudar no país e a visita a Batam e a um parque industrial na ilha que, apesar de indonésia, está economicamente profundamente integrada com Singapura, sendo o verdadeiro "parque industrial" desta.



Enfim: valeu (muito) a pena mas o verdadeiro trabalho começa agora: o retirar de lições e propor actuações ao governo que ajudem a melhorar o nível de desenvolvimento deste país. Aí é que a porca torce(-rá) o rabo...

domingo, 16 de junho de 2013

Choramingas!... Não tens vergonha?!... Não!

Vocês sabem que me emociono facilmente com as coisas mais simples, quase ridículas. Há dias, no "10 de Junho" na nossa embaixada em Dili, quis cantar "A Portuguesa" e não consegui... Estar a quase 20 mil kms de casa não é fácil... Eu bem queria mas a garganta não deixou... E fiz beicinho, sim!... O mesmo aconteceu quando, numa reunião (em Dili) em que estiveram presentes a actual presidente e o antigo presidente da câmara de Grandola, Xanana pediu que cantassem o "Grandola, vila morena!...".

Vem isto a propósito de mais uma situação em que não me aguentei... E zás!... Olhos a choverem...

Foi assim...

Há cerca de 3 semanas fui a Pante Makasar, a capital do enclave (timorense no Timor Ocidental, indonésio) de Oecussi-Ambeno, e fiquei alojado na casa das madres dominicanas que ali existe.
Conversa puxa conversa com a madre superiora (é uma pequeníssima comunidade de 5 religiosas!...), cheguei à conclusão que vivem lá 65 meninas timorenses, 80% delas oriundas das zonas rurais do distrito e que vieram para a cidade para poderem estudar.




O único apoio que recebem do Estado timorense são 32 sacas de arroz em cada trimestre. Como gastam uma saca (de 30 kgs) por dia, têm, desta origem, comida para 1 dos 3 meses do trimestre. E os outros 2 meses? Vivem de donativos...

Na hora de fazer as contas ao alojamento acabei por deixar lá mais 120 dólares, o suficiente para quase uma semana de alimentação...

Entretanto e em resultado de mais uma "estória" marginal a esta, uma professora portuguesa ali alojada ficou a dever-me 270 dólares e combinei com ela que depois depositaria 200 na minha conta e daria 70 à madre para fazer uma refeição "de jeito", com carne (bifes ou frango, coisa que nunca lhes "passa pelo estreito"...). Ela assim fez.

Quis o destino que na semana que agora termina eu tivesse voltado a Pante Makasar e reencontrasse a madre.
Novamente "palavra puxa palavra" percebi que ela informa as crianças de todo o dinheiro em donativos que entra e que as dificuldades na alimentação continuavam, cada vez mais agravadas...

De facto, no dia em que cheguei a madre encarregue da gestão da alimentação respondeu-me, perguntada sobre o que tinham para o jantar, que tinham apenas "sossoro", uma papa feita com arroz e água... Perguntei-lhe quanto precisava para acompanhar com uns vegetais e disse-me que seriam uns 10 dólares. "Então tome lá 20 e vá comprar uma quantidade substancial de verduras para as crianças comerem". Os olhos brilharam e lá foi ao mercado mesmo em frente do portão. Passados 15 min passou por mim com 3 sacos a rebentar pelas costuras cheios de verduras...

No dia seguinte, dia do regresso a Dili, como não tinha nada de especial a fazer fui até à pequena cafetaria que as madres abriram para ajudar a fazer algum dinheiro.
Eis senão quando começaram a sair as garotas para a escola e quando passavam por mim iam dizendo: "Obrigado Sr. António!...". Surpreendido, percebi que a madre tinha feito das suas: "denunciou-me" como o doador das verduras que comeram no jantar da véspera... :)

A coisa passou e mais tarde apareceu a madre superiora, acabada de chegar de Dili no navio que eu tomaria a meio da tarde para regressar à capital de Timor Leste, o "Berlin Nakroma".


Estivemos na conversa e ela falou-me de quanto as crianças tinham apreciado o jantar de carne que eu tinha proporcionado alguns dias antes... Sensibilizado, acabei por dar mais 70 dólares para repetirem o "festim"... :-)

Ela convidou-me para almoçar com as religiosas e na passagem para a sala de jantar passámos pelo refeitório onde almoçavam as crianças. E foi aí que a "desgraça" aconteceu!...

Apesar de eu ter tentado tapar-lhe a boca para não dizer nada, ela disse às meninas que eu tinha cabado de dar mais dinheiro para uma refeição "de jeito"... "Obrigado sr António!..." disseram em coro...
Mas a malandra (!) da madre achou que era pouco e pediu-lhes para me cantarem uma canção: nem mais nem menos que a "Do Re Mi" da "Música no Coração"! (ouvir aqui: http://www.youtube.com/watch?v=xIjobdArtiA )

E zás! 65 crianças desataram a cantar afinadíssimas, "geridas" pela madre feita maestrina com gestos pequeninos dos dedos, quase imperceptíveis...



Não aguentei... A meio da música já eu estava a fazer beicinho e pouco depois as lágrimas escorriam, emocionado. 65 crianças, cada uma com a sua história --- e que histórias!... Ali estavam algumas que tinham sido abandonadas pelos pais, outras que fugiram de casa para não serem vendidas pelos pais a troco de um ou 2 búfalos que lhes matasse a fome, outras fugidas de um casamento precoce, aos 14 anos, para os pais receberem o "barlaque" e assim minorar as suas carências... --- estavam cantando para mim num coro afinado. Não há como aguentar!... E zás!...

No final apenas tive forças para lhe dizer "Muito obrigado!", "Estudem, estudem muito para melhorarem as vossas vidas!...". E lá fomos ao almoço...

Como vou poder ajudar mais estas crianças? Não sei! Mas desconfio que vocês me vão ajudar... Rsss