sábado, 10 de novembro de 2012

Que conversa de treta... sobre Isabel Jonet

A TV não é para todos, muito menos para quem não sabe "jogar à defesa" e não está habituado/a a escolher cada uma das palavras que diz. E, principalmente, COMO as diz.
Mas pior: se o que se diz "mexe" com os ouvidos de alguém, nomeadamente dos jornalistas (coitados... A maior parte nem sabe do que fala...) e nas chamadas "redes sociais", "cai o Carmo e a Trindade".
Vem isto a propósito das recentes declarações de Isabel Jonet na TV. Não as vi em directo mas vi depois, na íntegra, a gravação. E não achei que ela tivesse dito aquilo que dizem que ela disse!... Ela pode não ter sido muito feliz no que disse e, principalmente, na forma como disse. Pode ter sido um pouco ingénua esquecendo-se que não estava num café a "beber um copo" com os amigos... Mas ela NÃO disse o que dizem que ela disse! Nomeadamente, ela não fez propaganda da pobreza e que todos devíamos ficar mais pobres. O que ela disse é que (a maioria) está mais pobre e tem de se adptar a viver com o que tem porque quem pagava para muitos viverem acima das reais capacidades do país, já não paga ou empresta o dinheiro a juros muito mais altos.

O facto de se dizer que os portugueses estão agora mais (alguns MUITO mais) pobres é uma evidência. A noção de "pobreza" opõe-se à de "riqueza" e ambas são noções de "stock": basta pensar na significativa desvalorização que as habitações tiveram nos últimos anos para confirmarmos que os portugueses (pelo menos os que são proprietários da sua casa) estão agora mais pobres. Pois se a casa valia 200 mil euros e agora vale apenas, por exemplo, 130 mil, o que é isto senão uma ilustração de que estão mais pobres?
Mas estar mais pobre não quer dizer que se esteja pobre no sentido de uma pobreza quase indigente. Nem a senhora disse que desejava que todos estivessemos mais pobres... para ela poder exercer o seu munus de atender à caridadezinha, como já vi uns palermas dar a entender.
O que ela disse também é que além de mais pobres em "stoks" (de riqueza) muitos estão também mais pobres em "fluxos" de rendimento. Nomeadamente em termos "reais", i.e., descontado o efeito inflação. Isto vai-nos obrigar a fazer escolhas sobre o que comprar e quanto comprar. Mais uma vez não quer dizer que a maioria chegue à situação de quase indigência. Não pode é haver desperdícios. O exemplo do lavar os dentes com copo ou com água corrente é apenas um exemplo... Que até pode nem ser o melhor... Escolher as marcas brancas em vez das marcas habituais é uma adaptação e uma confissão de que se está mais pobre de rendimento. Mas não necessáriamente pobre=pedinte!

É verdade, sim, que estranho tanta conversa sobre "crise" e depois os concertos de rock estarem cheios e as agências de viagem quase não sentirem a crise pois "todos" querem continuar a ir viajar ao estrangeiro. Vamos ver como estará o Algarve na passagem do ano... Para bem dos trabalhadores da região era bom que estivesse com "boa casa" mas... As pessoas têm direito a gozar férias no estrangeiro, ir a concertos de rock, etc? Claro que sim. Mas a maior parte não tinha capacidade real para o fazer e só o fazia porque os bancos e as financeiras emprestavam dinheiro a torto e a direito, quase empurrando as pessoas para se endividarem...  Sem que, muitas, tivessem realmente capacidade para isso. E viu-se o que aconteceu ao mais "pequeno" trambolhão...

Este aspecto remete para os últimos dois pontos que quero abordar aqui e agora: o primeiro é o de que a grande crítica que faço à gestão de Vítor Constâncio no Banco de Portugal foi o de não ter feito nada para travar a loucura de endividamento em que as famílias estavam a cair "empurradas" pelos bancos e pelas empresas a eles associadas que faziam publicidade e telefonavam para as pessoas a dizerem "tome lá 5 mil euros" ou 10 mil euros! Um disparate! Mas o capitalismo financeiro é assim mesmo... Mas algo devia ter sido feito e não foi. Estiveste (muito) mal, Vitinho!

O segundo e último ponto é o de que a crise veio demonstrar mais uma vez que na relação contratual entre os bancos/empresas financeiras e os seus clientes, o elo mais fraco (MUITO mais fraco) é o conjunto dos clientes. São eles o verdadeiro "mexilhão". O futuro tem de trazer uma relação nova entre ambos: na má concessão de crédito os bancos são até mais culpados do que os clientes pois a diferença de nível de informação a que uns e outros tem acesso é abismal. Por isso os bancos devem ser mais responsabilizados pelas perdas quando há créditos "mal parados"/não pagos. Num empréstimo para uma casa, os níveis especulativos que os preços destas atingiram ficaram também a dever-se ao facto de os bancos avaliarem por 100 o que de facto, em termos de custos e de lucros "decentes", valia 60 ou 70... Então eles que paguem também a crise...
Pelo contrário, se o empréstimo não for pago ficam com o bem (agora valendo muito menos), querem receber o diferencial do crédito concedido e, se for preciso, ainda fazem um sobre lucro se venderem a casa, mesmo que dentro de algum tempo, por valor superior... É difícil que isto venha a acontecer nos anos mais próximos mas não é impossível. Reveja-se, pois, o "pacto social" entre o sistema bancário/financeiro e o público de modo a que os direitos e obrigações sejam mais equilibrados/equitativos.

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