Vocês sabem que me emociono facilmente com as coisas mais simples, quase ridículas. Há dias, no "10 de Junho" na nossa embaixada em Dili, quis cantar "A Portuguesa" e não consegui... Estar a quase 20 mil kms de casa não é fácil... Eu bem queria mas a garganta não deixou... E fiz beicinho, sim!... O mesmo aconteceu quando, numa reunião (em Dili) em que estiveram presentes a actual presidente e o antigo presidente da câmara de Grandola, Xanana pediu que cantassem o "Grandola, vila morena!...".
Vem isto a propósito de mais uma situação em que não me aguentei... E zás!... Olhos a choverem...
Foi assim...
Há cerca de 3 semanas fui a Pante Makasar, a capital do enclave (timorense no Timor Ocidental, indonésio) de Oecussi-Ambeno, e fiquei alojado na casa das madres dominicanas que ali existe.
Conversa puxa conversa com a madre superiora (é uma pequeníssima comunidade de 5 religiosas!...), cheguei à conclusão que vivem lá 65 meninas timorenses, 80% delas oriundas das zonas rurais do distrito e que vieram para a cidade para poderem estudar.
O único apoio que recebem do Estado timorense são 32 sacas de arroz em cada trimestre. Como gastam uma saca (de 30 kgs) por dia, têm, desta origem, comida para 1 dos 3 meses do trimestre. E os outros 2 meses? Vivem de donativos...
Na hora de fazer as contas ao alojamento acabei por deixar lá mais 120 dólares, o suficiente para quase uma semana de alimentação...
Entretanto e em resultado de mais uma "estória" marginal a esta, uma professora portuguesa ali alojada ficou a dever-me 270 dólares e combinei com ela que depois depositaria 200 na minha conta e daria 70 à madre para fazer uma refeição "de jeito", com carne (bifes ou frango, coisa que nunca lhes "passa pelo estreito"...). Ela assim fez.
Quis o destino que na semana que agora termina eu tivesse voltado a Pante Makasar e reencontrasse a madre.
Novamente "palavra puxa palavra" percebi que ela informa as crianças de todo o dinheiro em donativos que entra e que as dificuldades na alimentação continuavam, cada vez mais agravadas...
De facto, no dia em que cheguei a madre encarregue da gestão da alimentação respondeu-me, perguntada sobre o que tinham para o jantar, que tinham apenas "sossoro", uma papa feita com arroz e água... Perguntei-lhe quanto precisava para acompanhar com uns vegetais e disse-me que seriam uns 10 dólares. "Então tome lá 20 e vá comprar uma quantidade substancial de verduras para as crianças comerem". Os olhos brilharam e lá foi ao mercado mesmo em frente do portão. Passados 15 min passou por mim com 3 sacos a rebentar pelas costuras cheios de verduras...
No dia seguinte, dia do regresso a Dili, como não tinha nada de especial a fazer fui até à pequena cafetaria que as madres abriram para ajudar a fazer algum dinheiro.
Eis senão quando começaram a sair as garotas para a escola e quando passavam por mim iam dizendo: "Obrigado Sr. António!...". Surpreendido, percebi que a madre tinha feito das suas: "denunciou-me" como o doador das verduras que comeram no jantar da véspera... :)
A coisa passou e mais tarde apareceu a madre superiora, acabada de chegar de Dili no navio que eu tomaria a meio da tarde para regressar à capital de Timor Leste, o "Berlin Nakroma".
Estivemos na conversa e ela falou-me de quanto as crianças tinham apreciado o jantar de carne que eu tinha proporcionado alguns dias antes... Sensibilizado, acabei por dar mais 70 dólares para repetirem o "festim"... :-)
Ela convidou-me para almoçar com as religiosas e na passagem para a sala de jantar passámos pelo refeitório onde almoçavam as crianças. E foi aí que a "desgraça" aconteceu!...
Apesar de eu ter tentado tapar-lhe a boca para não dizer nada, ela disse às meninas que eu tinha cabado de dar mais dinheiro para uma refeição "de jeito"... "Obrigado sr António!..." disseram em coro...
Mas a malandra (!) da madre achou que era pouco e pediu-lhes para me cantarem uma canção: nem mais nem menos que a "Do Re Mi" da "Música no Coração"! (ouvir aqui: http://www.youtube.com/watch?v=xIjobdArtiA )
E zás! 65 crianças desataram a cantar afinadíssimas, "geridas" pela madre feita maestrina com gestos pequeninos dos dedos, quase imperceptíveis...
Não aguentei... A meio da música já eu estava a fazer beicinho e pouco depois as lágrimas escorriam, emocionado. 65 crianças, cada uma com a sua história --- e que histórias!... Ali estavam algumas que tinham sido abandonadas pelos pais, outras que fugiram de casa para não serem vendidas pelos pais a troco de um ou 2 búfalos que lhes matasse a fome, outras fugidas de um casamento precoce, aos 14 anos, para os pais receberem o "barlaque" e assim minorar as suas carências... --- estavam cantando para mim num coro afinado. Não há como aguentar!... E zás!...
No final apenas tive forças para lhe dizer "Muito obrigado!", "Estudem, estudem muito para melhorarem as vossas vidas!...". E lá fomos ao almoço...
Como vou poder ajudar mais estas crianças? Não sei! Mas desconfio que vocês me vão ajudar... Rsss
domingo, 16 de junho de 2013
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