domingo, 18 de novembro de 2012

Sobre a qualidade da democracia e a elaboração e aprovação dos Orçamentos do Estado

Há dias fui assistir a uma conferência de um colega meu, o Paulo Trigo Pereira, especialista em Finanças Públicas e comentarista num jornal, que relacionava a elaboração dos Orçamentos de Estado com a qualidade da democracia no nosso país.
Muito interessante. Abordou vários temas, nomeadamente o facto de o tempo dado para a Assembleia da República se pronunciar ser demasiado curto, levando a uma deficiente análise do Orçamento.
Também me chamou a atenção a sua defesa da necessidade de incluir na lei, eventualmente na Constituição, a chamada "regra de ouro" que impeça os Orçamentos de terem um défice de valor superior a determinada percentagem do PIB (actualmente "fixada" em 3%). Não estou de acordo que esse limite esteja na Constituição porque os ciclos económicos podem levar a que seja necessário ultrapassar esse limite. E se o próprio crescimento económico for elevado, o limite de que se tem falado pode significar pouco. A política económica tem de ser mais ágil e não pode estar limitada por regras constitucionais de cienticidade mais que suspeita... Porquê 3% e não 4 ou 2,4? Mas para mim já seria aceitável (e até recomendável) uma lei que obrigasse a que o financiamento do Orçamento e, por isso, o défice, tivesse de ser aprovado por uma maioria qualificada do Parlamento (p.ex: 2/3 dos deputados) se ultrpassasse determinado limite (que até pode ser o referido).
Além disso, como sugeriu Paulo Brito, os Governos não devem poder celebrar contratos que tragam responsabilidades financeiras para mais de uma geração (cerca de 30 anos). Se houver, pontualmente, necessidade de ultrapassar esse limite isso terá de ser aprovado explicitamente pelo Parlamento por uma maioria qualificada.
 
Mas o que me pareceu mais interessante foi uma das suas conclusões, surgida já no final, no período de perguntas e respostas e em resposta a uma pergunta minha e que é como que o "fecho da abóboda" de todo o problema.
 
Para ele (e para mim), a qualidade dos Orçamentos e o próprio nível da dívida pública estão relacionados com a qualidade da democracia e todos, incluindo esta, estão dependentes de vários factores, naturalmente, mas em que um deles (no limite o verdadeiramente determinante) é o sistema eleitoral.
 
Enquanto se mantiver o actual sistema de "listas" ligadas exclusivamente a partidos políticos não é possível melhorar o sistema, devendo ser substituído por um em que os deputados sejam mais directamente responsabilizados perante os eleitores dos respectivos círculos eleitorais.
O actual, na verdade, resume-se a eleger umas 20-25 "cabeças". Os outros não passam de meros "dedos"... que se erguem para votar como as "cabeças" mandam.
 
Como mudar o sistema eleitoral? Claro que quem sobrevive à custa do actual sistema (incluindo os próprios partidos políticos!) não vai aceitar que ele mude. O sistema NÃO é autoreformável. Só pressões fortes da sociedade civil (eu, tu, nós...), empurrada pela crise aguda que se avizinha, poderá fazer mudar o sistema. Será que os "brandos costumes" dos portugueses são compatíveis com esta luta pela alteração do sistema eleitoral? Pois... A ver vamos...

terça-feira, 13 de novembro de 2012

A austeridade: sim, ma non troppo

Todas as conversas a propósito da actual crise económica acabam por ir parar à  "marvada" austeridade.
Face à situação das contas públicas e aos níveis de dívida externa que atingimos alguma austeridade --- leia-se, principalmente, "maior racionalidade nos gastos públicos e individuais" ... --- é absolutamente inevitável. Nem que seja porque o dinheiro "fácil" a que nos habituámos --- nos habituaram... --- desapareceu e agora é bem mais "difícil".
Mas a austeridade quase pela austeridade, a um nível quase de paranóia a que foi "elevada" pelo actual governo e, principalmente, pelo coelho que dá passos e pelo Gasparzinho, é um disparate.

Olhemos para outras crises, noutros países que também atravessaram dificuldades --- ainda que não necessariamente tão profundas como a que temos E PARA A QUAL ESTAMOS A SER EMPURRADOS POR QUEM DEVERIA TER COMO MISSÃO TIRAR-NOS DELA.

Lembro, por exemplo, o caso da Indonésia de há alguns, poucos, anos. Atingida por uma crise essencialmente internacional, virou-se principalmente para o mercado interno, apoiando a procura nacional. Foi ela que serviu de "almofada" à crise. A China e, mesmo, o Japão fizeram o mesmo em momentos diferentes.
Isto é: a lógica do actual Governo é, basicamente, a seguinte: o país tem vivido acima das suas possibilidades e é necessário "puxar" as pessoas para baixo, para o nível que eles consideram sustentável e que não será muito diferente do que se vive hoje em alguns países do Leste europeu. Se são esses os nossos principais competidores no espaço europeu, então "desçamos" ao seu nível para, através de um forte abaixamento dos custos (=salários, principalmente, já que não podemos desvalorizar a moeda), podermos competir com eles quer em capacidade de exportar quer em capacidade de captar novos (grandes) investimentos externos (que ajudem, eles próprios, a aumentar as exportações).

Este raciocínio tem um "calcanhar de Aquiles": o de, a médio/longo prazo mas também a curto, nos colocar cada vez mais dependentes da evolução da conjuntura económica internacional --- e, percebe-se agora, da força dos sindicatos dos estivadores...

Aliás, é isso que se vai passar a curto prazo: já é certo e sabido que o crescimento da Espanha e da Alemanha, dois dos nossos principais clientes, vai ser em 2013 bem mais baixo do que se previa inicialmente. Isto significa que os esforços que se estão a fazer para aumentar a nossa competitividade externa e, com ela, as exportações, podem "bater com os burrinhos na água". Creio, mesmo, que será o mais certo...

Ora é nestas ocasiões que a procura interna desempenha um papel fundamental para "amortecer" a pancada da queda. Só que estão a tirar quase toda a sumaúma de dentro da almofada, correndo o risco de batermos com os costados no chão com toda a força....

Por isso esta estratégia me parece errada, inapropriada aos tempos que correm. Nunca desejei tanto enganar-me!

sábado, 10 de novembro de 2012

Que conversa de treta... sobre Isabel Jonet

A TV não é para todos, muito menos para quem não sabe "jogar à defesa" e não está habituado/a a escolher cada uma das palavras que diz. E, principalmente, COMO as diz.
Mas pior: se o que se diz "mexe" com os ouvidos de alguém, nomeadamente dos jornalistas (coitados... A maior parte nem sabe do que fala...) e nas chamadas "redes sociais", "cai o Carmo e a Trindade".
Vem isto a propósito das recentes declarações de Isabel Jonet na TV. Não as vi em directo mas vi depois, na íntegra, a gravação. E não achei que ela tivesse dito aquilo que dizem que ela disse!... Ela pode não ter sido muito feliz no que disse e, principalmente, na forma como disse. Pode ter sido um pouco ingénua esquecendo-se que não estava num café a "beber um copo" com os amigos... Mas ela NÃO disse o que dizem que ela disse! Nomeadamente, ela não fez propaganda da pobreza e que todos devíamos ficar mais pobres. O que ela disse é que (a maioria) está mais pobre e tem de se adptar a viver com o que tem porque quem pagava para muitos viverem acima das reais capacidades do país, já não paga ou empresta o dinheiro a juros muito mais altos.

O facto de se dizer que os portugueses estão agora mais (alguns MUITO mais) pobres é uma evidência. A noção de "pobreza" opõe-se à de "riqueza" e ambas são noções de "stock": basta pensar na significativa desvalorização que as habitações tiveram nos últimos anos para confirmarmos que os portugueses (pelo menos os que são proprietários da sua casa) estão agora mais pobres. Pois se a casa valia 200 mil euros e agora vale apenas, por exemplo, 130 mil, o que é isto senão uma ilustração de que estão mais pobres?
Mas estar mais pobre não quer dizer que se esteja pobre no sentido de uma pobreza quase indigente. Nem a senhora disse que desejava que todos estivessemos mais pobres... para ela poder exercer o seu munus de atender à caridadezinha, como já vi uns palermas dar a entender.
O que ela disse também é que além de mais pobres em "stoks" (de riqueza) muitos estão também mais pobres em "fluxos" de rendimento. Nomeadamente em termos "reais", i.e., descontado o efeito inflação. Isto vai-nos obrigar a fazer escolhas sobre o que comprar e quanto comprar. Mais uma vez não quer dizer que a maioria chegue à situação de quase indigência. Não pode é haver desperdícios. O exemplo do lavar os dentes com copo ou com água corrente é apenas um exemplo... Que até pode nem ser o melhor... Escolher as marcas brancas em vez das marcas habituais é uma adaptação e uma confissão de que se está mais pobre de rendimento. Mas não necessáriamente pobre=pedinte!

É verdade, sim, que estranho tanta conversa sobre "crise" e depois os concertos de rock estarem cheios e as agências de viagem quase não sentirem a crise pois "todos" querem continuar a ir viajar ao estrangeiro. Vamos ver como estará o Algarve na passagem do ano... Para bem dos trabalhadores da região era bom que estivesse com "boa casa" mas... As pessoas têm direito a gozar férias no estrangeiro, ir a concertos de rock, etc? Claro que sim. Mas a maior parte não tinha capacidade real para o fazer e só o fazia porque os bancos e as financeiras emprestavam dinheiro a torto e a direito, quase empurrando as pessoas para se endividarem...  Sem que, muitas, tivessem realmente capacidade para isso. E viu-se o que aconteceu ao mais "pequeno" trambolhão...

Este aspecto remete para os últimos dois pontos que quero abordar aqui e agora: o primeiro é o de que a grande crítica que faço à gestão de Vítor Constâncio no Banco de Portugal foi o de não ter feito nada para travar a loucura de endividamento em que as famílias estavam a cair "empurradas" pelos bancos e pelas empresas a eles associadas que faziam publicidade e telefonavam para as pessoas a dizerem "tome lá 5 mil euros" ou 10 mil euros! Um disparate! Mas o capitalismo financeiro é assim mesmo... Mas algo devia ter sido feito e não foi. Estiveste (muito) mal, Vitinho!

O segundo e último ponto é o de que a crise veio demonstrar mais uma vez que na relação contratual entre os bancos/empresas financeiras e os seus clientes, o elo mais fraco (MUITO mais fraco) é o conjunto dos clientes. São eles o verdadeiro "mexilhão". O futuro tem de trazer uma relação nova entre ambos: na má concessão de crédito os bancos são até mais culpados do que os clientes pois a diferença de nível de informação a que uns e outros tem acesso é abismal. Por isso os bancos devem ser mais responsabilizados pelas perdas quando há créditos "mal parados"/não pagos. Num empréstimo para uma casa, os níveis especulativos que os preços destas atingiram ficaram também a dever-se ao facto de os bancos avaliarem por 100 o que de facto, em termos de custos e de lucros "decentes", valia 60 ou 70... Então eles que paguem também a crise...
Pelo contrário, se o empréstimo não for pago ficam com o bem (agora valendo muito menos), querem receber o diferencial do crédito concedido e, se for preciso, ainda fazem um sobre lucro se venderem a casa, mesmo que dentro de algum tempo, por valor superior... É difícil que isto venha a acontecer nos anos mais próximos mas não é impossível. Reveja-se, pois, o "pacto social" entre o sistema bancário/financeiro e o público de modo a que os direitos e obrigações sejam mais equilibrados/equitativos.